segunda-feira, 28 de março de 2011

Eu sou de menor!


Quando eu estava no 4º ano do Magistério, num longínquo 1997, minha turma montou a peça "Capitães da Areia", baseada na obra de Jorge Amado. Foi um sucesso no "Dia da Literatura", evento no qual cada turma apresentava uma adaptação teatral de uma obra. Ao final da peça eu recitava sozinho no palco o poema "Balada para não dormir", publicado por Lourenço Diaféria. Não sei como consegui decorar um texto tão grande, mas deu tudo certo e me lembrei deste acontecimento quando vi o trailer do filme cuja estréia foi adiada para o 2º semestre deste ano (tô doido pra ver se o "Sem-Pernas" do filme é melhor do que o meu, hahaha). Segue o texto:

Eu não sou criança.
Eu sou de menor.
Criança tem pai, tem mãe, tem irmão.
Eu sou de menor.
De menor tem a vida.
Criança tem livro com figura colorida.
De menor tem o código.
Eu sou de menor.
Criança aparece em anúncio bonito pedindo brinquedo.
De menor não tem disso.
De menor é no dedo puxando o gatilho.
Criança tem disco do Carequinha e do Balão Mágico.
Eu sou de menor.
Eu escuto o Afanásio.
Criança tem idade, faz aniversário, apaga as velinhas.
Eu sou de menor.
Já nasci grande, sem mês e sem ano, apago velhinhas.
Criança é bobinha.
Eu sou de menor, imponho respeito.
Criança tem gênio.
Eu tenho mania.
Eu sou de menor.
Criança tem clube.
Eu sou de menor.
Eu tenho minha “gang”.
Criança tem sítio com pato, galinha, vaca,bezerro, carneiro, cabrito.
Eu sou de menor.
Eu tenho tudo isso, mas ganho no grito.
Criança mergulha no azul da piscina.
Eu sou de menor.
Eu nado, me afogo, na funda lagoa.
Eu sou de menor.
Se toco na banda, ninguém me elogia, prestigia.
Se engraxo sapato, ninguém diz: “legal”.
Eu sou de menor.
Eu guardo automóvel com cara de anjo, divido a grana com os caras marmanjos.
Me viro, me arranjo.
Como pastel, tomo caldo de cana, descolo ambúrguer de gente bacana.
Eu sou de menor.
Atravesso vitrô, eu furo parede, eu cavo buraco, eu salto muralha, eu miro no alvo, derrubo cigarro, endireito cano de curva espingarda, sento na borda da escada rolante, levanto os dois braços na montanha-russa.
Frequento os cinemas da avenida Ipiranga, e tudo que passa eu já sei de cor.
Eu sou de menor.
Nada tem graça.
Às vezes me escalam para ser criança.
É tarde demais.
Eu sou de menor.
Já morreu o sol da aurora da vida, saudades não tenho.
Eu sou de menor.
Sou a vidraça quebrada, pela pedra do adulto.
Sou o rosto molhado com a água da chuva.
Sou fliperama, o barraco, a marquise, sou dois olhos mordendo a luz da vitrina, escândalo sou sem a mó do moinho.
Eu sou o trapo enxotado da loja, o cara suspeito empurrando carrinho.
Sou o discurso jamais realizado.
Sou a face clara da fortuna escondida.
Sou o cão magrela do epular desperdício.
Sou o lado contrário do cabo da faca.
Sou a garrafa vazia jogada no mar, que volta coberta de restos da morte.
Eu sou a resposta que não espera perguntas.
Aqui estou. Nada mais sinto.
Apenas digo: Cuidado!
Não sou criança. Meu nome é: de menor.

Trailer do filme, dirigido por Cecília Amado e com trilha sonora assinada por Carlinhos Brown:



Filme recomendado

O Ponto de Mutação (Mindwalk -1990)

Um poeta, um político americano fracassado e uma física em crise quanto ao seu trabalho conversam durante quase duas horas sobre ciência enquanto caminham por uma ilha isolada na França. Esse é o enredo do filme baseado no livro "The Turning Point" de Fritjof Capra, publicado em 1983 (leia a resenha aqui). Na aula passada no doutorado, o professor nos propôs que assistíssemos a esse filme para incrementar nossa discussão sobre conhecimento científico e os paradigmas da pesquisa.
Qual o primeiro instinto humano inicialmente coerente com essa proposta?

Ok. Esse não é um daqueles filmes “Sessão Pipoca”, mas aborda um tema essencial para todos nós que estamos inseridos no meio acadêmico e queremos ter uma visão de Ciência muito além da imagem estereotipada dos cientistas malucos morando em laboratórios de Química/Física/Biologia. A abordagem é interessante e vale a pena conferir. Nada que um bom café preto ou um energético não ajudem...rs
O fato é que a discussão após do filme foi muito profícua. Nós pesquisadores em Educação temos que incrementar sempre nosso aporte teórico afim de que fujamos das práticas de pesquisa baseadas nas ciências naturais. Os campos são diferentes e isso implica em abordagens metodológicas distintas. Os problemas de pesquisa surgidos no contexto da Educação não se investigam em tubos de ensaio e o pesquisador precisa ter clareza de suas bases epistemológicas para que realmente possa produzir conhecimento dentro deste campo de atuação. É triste ver muitos reduzirem suas práticas a meras comparações quantitativas desprovidas de reflexão mais profunda.

A seguir um trecho onde Pablo Neruda é citado:


No Google Vídeos é possível conferi-lo na íntegra: http://video.google.com.br/videoplay?docid=854094769667634943&hl=pt-BR#

sexta-feira, 25 de março de 2011

Mais um tijolo no muro

Pink Floyd - Another Brick in the Wall

Álbum "The Wall" (1979)

Papai se foi através do oceano,
Deixando apenas uma lembrança:
Um instantâneo no álbum de família.
Papai, o que mais você deixou para mim?
Papai, o que você deixa para trás, para mim?
No total, foi apenas um tijolo no muro,
No total, foi tudo apenas tijolos no muro...

Nós não precisamos de nenhuma educação,
Nós não precisamos de nenhum controle de pensamento,
Nenhum sarcasmo sombrio na sala de aula,
Professores, deixem as crianças em paz. *
Ei! Professor! Deixe as crianças em paz! *
No total, é apenas outro tijolo no muro,
No total, você é apenas outro tijolo no muro...

Eu não preciso de braços ao meu redor
E eu não preciso de drogas para me acalmar.
Eu vi a escrita no muro,
Não acho que eu precise de qualquer coisa.
Não, não acho que eu precise de qualquer coisa.
No total, foi tudo apenas tijolos no muro,
No total, vocês foram todos apenas tijolos no muro...



We don't need no education

domingo, 20 de março de 2011

Li e recomendo

Ensaio sobre a cegueira (José Saramago)

Imagine o caos no mundo se este fosse tomado por uma epidemia que deixa todos os seres humanos cegos repentinamente. Imagine-se agora como a única pessoa não contaminada por essa doença, ou seja, a única capaz de ver tudo que acontece à sua volta. Essa é a premissa da obra-prima de Saramago, lançada em 1995 e adaptada em 2008 por Fernando Meireles para o cinema. Eu fui ao cinema e vi o filme (que teve grande parte de suas cenas rodadas em São Paulo) e sempre tive vontade de ler o livro, o que acabo de concretizar.
O filme é ótimo, mas nada como a riqueza de detalhes de um livro para instigar a imaginação, detalhes que muitas vezes nos fazem refletir com muito mais profundidade sobre certos temas. O que eu considero sensacional nessa obra é a estrutura narrativa de Saramago, que consegue contar uma história inteira sem dar nomes às suas personagens, referindo-se apenas às mesmas por suas características mais marcantes (o médico, a mulher do médico, a rapariga dos óculos escuros, etc.). Os diálogos se misturam ao restante do texto, mas, por incrível que pareça, a história é tão absorvente que o leitor não se confunde e distingue perfeitamente as falas do autor das falas das personagens.

Um dia normal na cidade. Os carros parados numa esquina esperam o sinal mudar. A luz verde acende-se, mas um dos carros não se move. Em meio às buzinas enfurecidas e à gente que bate nos vidros, percebe-se o movimento da boca do motorista, formando duas palavras: Estou cego.

Assim tem início essa emblemática obra de Saramago que, ao falar do livro, afirmou:

"Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso."

Veja o trailer do filme (mas recomendo ler o livro antes de ver a versão para os cinemas):


"Só num mundo de cegos as coisas serão o que verdadeiramente são". José Saramago

sábado, 19 de março de 2011

Escola: gaiola ou asas?


Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.

Novos instrumentos para antigos hábitos (ou vice-versa)

"Eu vejo um museu de grandes novidades" Cazuza

A escola que temos e a escola que queremos*


Podemos dizer que a escola que temos ainda é a escola que tivemos, ou seja, a escola na qual vivenciamos nossa trajetória enquanto estudantes. Uma escola preocupada com a execução de conteúdos e o cumprimento de planos muitas vezes determinados por aqueles que sequer são conhecedores da realidade escolar. Uma escola preocupada em “preparar” o indivíduo para “a vida lá fora”, considerando principalmente as relações do mundo do trabalho.
A escola que temos ainda está impregnada de práticas acríticas e tecnicistas, aplicando metodologias que visam a seleção e o incentivo à competição. Uma escola que trata seus alunos como atletas numa maratona onde há apenas um lugar para o “vencedor”. Os obstáculos são sempre enormes e preparados especialmente para separar os “bons” dos “fracos”, mantendo a pirâmide social imutável.
Historicamente a escola se constituiu como um espaço de controle, disciplina e reprodução das idéias vigentes na sociedade na qual ela se insere. Mesmo quando se afirma que a escola passa por um processo de transformação e modernização, muitas vezes tal discurso reflete apenas uma propaganda enganosa financiada pelos gestores das políticas públicas em educação, cujas estatísticas bem elaboradas conseguem ludibriar e abafar possíveis clamores resultantes de pontuais momentos de reflexão da sociedade.
Em se tratando de tecnologias, a escola que temos ainda se apresenta aquém de todas as necessidades da atual sociedade da informação. Uma sociedade caracterizada pela velocidade na comunicação, pela troca constante de informações e pela construção do conhecimento, seja ele individual ou coletivo. Uma sociedade na qual as relações sociais são em grande parte permeadas pelas tecnologias. A escola que temos procura inserir tecnologias como se tal ação por si só garantisse a inclusão e a transformação social. Os equipamentos acabam por se constituir em sucata subutilizada. A ubiquidade das tecnologias é ignorada quando a mesma é tratada apenas como um conteúdo pulverizado em outras disciplinas.
A escola que queremos constitui-se num espaço capaz de promover interações que realmente propiciem a transformação em todos os aspectos do indivíduo, principalmente o aspecto social. Acreditamos na escola ideal como aquela efetivamente promotora da transformação, e as TICs se apresentam como instrumentos com considerável potencial de colaboração nesse processo. Mais uma vez ressaltamos que a tecnologia por si só não promove nada. Esta, quando mal utilizada, pode até mesmo contribuir para a perpetuação de ideologias, a repressão e a destruição do pensamento crítico.
A escola que queremos considera as tecnologias como elementos historicamente impregnados na vida do indivíduo e, como tal, fazem parte dos mesmos. Assim, essa escola é capaz que integrar tais ferramentas de modo que as mesmas efetivamente contribuam para a constituição de indivíduos críticos e agentes de sua própria transformação.
Diante de todo este contexto, o nosso papel enquanto pesquisadores é promover a sistematização de conhecimentos capazes de subsidiar as idéias de transformação, de contribuir para o desenvolvimento de tecnologias realmente integradas com a Educação, de propiciar um cenário no qual a escola possa realmente se transformar e assumir um caráter mutante, assim como a sociedade sempre o foi.
Um fato é certo: a escola que temos não é a escola que queremos. Mas será que lutamos pela concretização de tal modelo ideal de escola ou ficamos apenas num discurso vazio e muitas vezes inaudível?
Realmente, se não lutarmos pela escola que queremos, certamente a escola que temos se perpetuará como a escola que tivemos, restando-nos apenas o papel de platéia neste infeliz espetáculo.

*Texto produzido durante uma das minhas aulas no doutorado

Novos paradigmas

Ontem recomeçaram as minhas aulas no doutorado e uma das disciplinas que farei neste semestre chama-se "Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e Educação Escolar", onde estou tendo o prazer de ser aluno da minha ex-orientadora de mestrado, professora Claudia. Entre as diversas discussões que já realizamos na primeira aula, vimos alguns vídeos e, dentre estes, destaco o vídeo abaixo, uma sátira às relações entre helpdesk e usuário, mas que reflete muito o medo que temos diante do novo e às mudanças de paradigmas de comportamento que nos são exigidas a todo momento. Confira e tire suas próprias conclusões.

domingo, 6 de março de 2011

O aluno das cavernas

Frequentemente ouvimos falar da necessidade de atualização do professor, que ainda repete gestos e rituais pedagógicos “medievais” em seu dia-a-dia na escola. Existem professores que ainda acreditam numa “educação bancária”, como diria Paulo Freire, num processo no qual o aluno é um armário cheio de gavetas, cada qual devidamente etiquetada com uma área do conhecimento. Conhecimento este muitas vezes desconexo de sua realidade e de suas reais necessidades de crescimento intelectual e social.
Entretanto, a partir dessa realidade, muitos professores tentam imprimir no seu fazer novas práticas, novas idéias, sob uma nova perspectiva de educação transformadora.
Mas e o aluno? Ele também não precisa mudar?
É óbvio que o aluno que hoje se apresenta nas escolas não é o mesmo dos meus tempos de estudante. O contexto social e tecnológico é outro. Entretanto, muitos estudantes ainda tem uma base familiar composta por pais ou responsáveis frutos de uma escola tradicional e que, na sua grande maioria, ainda a consideram como ideal para a educação de seus filhos.

Provoco esta discussão pois, no ano passado, ouvi de um aluno a seguinte frase: “É sua obrigação me fazer entender esse assunto”. Imediatamente lhe respondi: “Não. Minha obrigação é garantir que você estude e fornecer subsídios para que você entenda o assunto”. Durante dias fiquei com aquilo “martelando” em minha cabeça e compreendi que aquele aluno tem um perfil de escola tradicional, o perfil bancário, passivo, receptivo e acrítico. Um aluno que espera tudo pronto e acabado, um “conhecimento” que não exija o mínimo de reflexão. Culpa dele? Talvez não. Talvez fosse apenas a única realidade que se até então se apresentasse a ele.
E qual o papel do professor diante de um aluno das cavernas?
Entendo que isso se constitui como mais um desafio para o professor. Ao invés de abandonar esse aluno ou simplesmente retroceder e vestir o guarda-pó da escola tradicional, o professor deve lutar para que o aluno compreenda o seu papel no processo de aprendizagem. O papel de verdadeiro construtor do conhecimento, de agente de seu próprio desenvolvimento. Os pais devem ser trazidos para a escola para que entendam as mudanças ocorridas em tal espaço e compreendam que o professor deve trabalhar como um mediador de um complexo processo de aprendizagem autônoma, porém acompanhada não apenas por ele, mas pela família, pois a autonomia não é uma característica inata. Ela se desenvolve continuamente e necessita de subsídios de todos que convivem com o indivíduo.
Certamente essa discussão não se encerra aqui. O que quero deixar nesse post é a mensagem de que o aluno precisa compreender suas necessidades pessoais de transformação e talvez a escola se constitua no único espaço onde isso seja possível.

Vida de estudante

Hoje li um interessante artigo do jornal "The New York Times" sobre a dupla jornada do ator norteamericano James Franco, que divide seu tempo entre filmagens em Hollywood e os estudos. Ele acaba de concluir um mestrado em cinema pela Universidade de Nova York e ingressou no doutorado em inglês na Yale University, uma das mais conceituadas universidades do mundo.
Essa é uma prova de que artistas e atletas não precisam abandonar os estudos. Muito pelo contrário: tem muito mais condições financeiras para se organizarem, bastando apenas estabelecerem metas e terem força de vontade. Um grande exemplo foi o ex-jogador Sócrates, que só começou a jogar futebol pra valer depois de formado em medicina. É triste hoje em dia ver alguns pais se preocupando mais com o desempenho do(s) filho(s) em quadra do que na escola.

Campus da Yale University

O artigo completo (traduzido pela UOL) pode ser conferido aqui: http://t.co/vU854e5