sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A Educação na China

http://bbc.co.uk
A edição de 21 de dezembro de 2011 da revista Veja trouxe como reportagem de capa uma interessante análise da educação escolar chinesa e como esse país aposta nesse setor como chave para o seu desenvolvimento (leia a reportagem na íntegra aqui). Apesar do jornalista apressadamente já concluir na introdução de seu texto que o sistema chinês é um exemplo para o Brasil seguir – afinal estamos falando da Veja e toda sua já conhecida carga política totalmente parcial – é possível fazermos uma análise menos entusiasmada, porém importante para compreendermos o que poderia ser pensado no Brasil, principalmente em termos de políticas públicas. 

A reportagem foi didaticamente dividida em cinco “capítulos”. O primeiro trata da relação dos alunos com a escola e com seus pais, usando como pano de fundo a rotina de um jovem de 16 anos que estuda dia e noite para ter bons resultados no Gao Kao – uma espécie de ENEM da China – e abre mão de sua vida social para alcançar tal objetivo. A educação chinesa é fortemente embasada na meritocracia e os pais tem obsessão em oferecer aos filhos condições para que eles sejam os melhores naquilo que fazem. Particularmente não tenho nada contra isso, porém acredito que o jovem necessita de socialização, pois o ser humano não pode ser formado apenas para o trabalho. Fica claro na reportagem que na China a escola é responsável apenas pelo ensino e aprendizagem de conteúdos e todos os demais aspectos da formação humana ficam a cargo da família. Isso é bom? Não sei. 

Outro aspecto interessante abordado é a forte disciplina no espaço escolar. Pouca conversa, muito conteúdo e uma grande carga de dever de casa compõem a rotina dos estudantes, que também são responsáveis pelo asseio da sala de aula. Achei interessante e concordo com a observação de que “no Brasil ainda se confunde ordem com autoritarismo e a desordem é confundida com liberdade”. Outra curiosidade é que não há chamada nas aulas, porém a frequência é acompanhada e os pais são chamados sempre que seus filhos não comparecem às aulas, o que raramente ocorre, de acordo com a reportagem. 

http://international.umd.edu
O item que considero mais interessante na reportagem é o professor chinês. A formação de professores na China é totalmente diferente da que ocorre no Brasil, mas a carreira não é tão interessante assim em termos de salários. Entretanto, ao contrário do que facilmente podemos pensar, a pesquisa é fortemente incentivada e a ideologia comunista não está presente em tal formação e muito menos compõe o dia-a-dia desses professores em sala de aula. Existe uma abertura em termos de busca por métodos que realmente sejam eficazes em na aprendizagem, podendo ser realizadas experiências com práticas inovadoras. Tais práticas são compartilhadas entre os professores em reuniões periódicas com forte viés colaborativo. Isso faz com que as melhores práticas sejam compartilhadas rapidamente por toda a rede de ensino no país. 

Historicamente a China viveu períodos onde o conhecimento foi praticamente proibido e hoje o país parece buscar uma compensação por este equívoco. A reportagem é encerrada com números referentes aos investimentos públicos no setor e comparações frequentes com a realidade brasileira. 

Minha opinião? Brasil e China são países que até podem ser equiparados em termos econômicos – afinal puxam a fila dos emergentes – mas são muito diferentes em termos culturais e isso é impossível de ser ignorado ao se fazer educação. O brasileiro vive intensamente desde o seu nascimento e não está disposto a abrir mão de sua infância e adolescência para viver uma rotina maçante de formação para o trabalho na vida adulta. Acredito que a escola deva fazer parte do desenvolvimento do indivíduo mas não pode substituir sua vida, ou seja, a escola deve fazer parte e não ser o objetivo único desta vida. Essa é uma equação difícil de se resolver no nosso país. Concordo que a China já colhe formidáveis resultados, porém todos centrados unicamente no mundo do trabalho. E os demais aspectos da vida? São ignorados? Apesar de tudo creio que os pais brasileiros deveriam ver nos chineses um exemplo no que diz respeito ao incentivo aos estudos e na luta por uma boa educação. Um bom começo seria uma maior participação dos pais nas reuniões escolares, ficando a par do que acontece na escola, quais as metodologias adotadas e a filosofia de trabalho dos seus professores. 

O que mais me chamou atenção na reportagem foi a formação e atuação dos professores e acredito fortemente neste aspecto como chave para a transformação na educação. A troca de experiências é essencial para que as boas práticas sejam difundidas. O professor brasileiro precisa aprender – ou ser incentivado – a compartilhar suas experiências com os demais colegas. 

O aluno também não pode fugir de sua responsabilidade. Precisa compreender a escola como um espaço onde ele será capaz de entender melhor o mundo e as relações que nele ocorrem. Só assim será capaz de enfrentar a realidade com consciência e habilidades para sua própria transformação. Não defendo que ele estude 24 horas por dia, mas o mesmo precisa ter clareza de que a escola existe para ajudá-lo no seu desenvolvimento pleno.

Ao contrário do jornalista, não creio que a China seja um “exemplo a ser seguido”, mas sim uma interessante realidade a ser analisada e que certamente pode contribuir para uma auto-análise da educação no Brasil, principalmente no que tange à formação inicial e continuada de professores.

5 comentários:

  1. Gostei muito da sua análise, professor. Parabéns =)
    Também acredito que devemos conhecer outras metodologias para nos inspirarmos e construirmos uma escola melhor.

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  2. Oi professor Sanavria,

    Sou autor do blog Ensaios de Gênero, que você indica no seu texto sobre a meritocracia.

    Também li a reportagem da Veja e gostei do seu balanço, embora tenha algumas discordâncias que eu gostaria de expor. Em primeiro lugar, acho preocupante a forma como a Veja abordou a reportagem. Ela tirou conclusões estruturais sobre educação a partir de uma observação de 10 dias na China. As conclusões são precipitadas e, como você colocou, inadequadas em muitos casos. Concordo que a educação chinesa não seja exemplo.

    Você comentou que não tem nada contra um sistema meritocrático. Penso o contrário. É impossível um sistema educacional incentivar a cooperação, a solidariedade, e a competição, a disputa, ao mesmo tempo. São aspectos que se anulam. O que me assusta é que as pessoas defendem a meritocracia porque tem uma visão ingênua de que tudo se resolverá com um pouco competição. Isto é, como se um prêmio, um reconhecimento, ou coisa do gênero consiga estimular melhorias no ensino.

    Isso é uma falácia. Não estamos em um sistema educacional onde todos (professores, pais e estudantes) dão o mesmo valor para a educação. Ao se sentir excluído dessa corrida meritocrática, a saída usualmente é a desistência, a evasão, levando ao fracasso. Não se melhora nesse aspecto, enquanto temos problemas estruturais acumulados. A meritocracia não compensará deficiências de infra-estrutura, formação de professores, salários e entrosamento do trabalho coletivo.

    Sobre jogar parte das responsas nas costas das famílias, creio que seria irresponsabilidade do Estado. Não que a escola vá ensinar tudo, mas temos que pensar que muitas crianças de baixa renda só tem acesso a conhecimentos formais por meio da escola, seja os básicos de matemática, seja coisas como arte ou música. Vivemos em um país onde uma boa parte da população é pouco instruída, com muitos analfabetos funcionais. Esperar que essas famílias se encarregem pela educação de tudo aquilo que a escola, ocupada na competição e na ciência, não se foca, é jogar parte da educação dessa crianças em um buraco negro. Além disso, se a escola não procurar educar, passar valores, estimulare o senso crítica, quem o fará? Se uma família é homofóbica, ela vai ensinar homofobia para seu filhos. E como ficará a escola? De braços cruzados? Uma visão tecnicista da educação é o que eu menos quero.

    Outro ponto que eu discordo é essa imagem de que, aqui, bagunça é vista como liberdade. De modo algum, vá nas escolas e verá os professores tentando manter o "controle" sobre a classe. Aqui, pensa-se que ordem é sinônimo de aprendizado, e aqui que está o erro. Em escolas construtivistas de verdade, aquelas que a Veja costuma chamar de bagunceiras, o processo de ensino-aprendizagem se dá de formas não convencionais, e nem por isso são menos efetivos. Dê uma olhada na escola municipal Amorim Lima, em São Paulo. É outra proposta.

    Enfim, do mais, não tenho tantas ressalvas. Concordo que são pontos essenciais a formação de professores e o trabalho em equipe.

    Abraços,

    Adriano

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  3. Olá Adriano,
    Fico feliz em ter sua participação aqui no blog e considero suas intervenções bastante coerentes, porém creio que em alguns pontos do meu texto eu não me fiz entender como gostaria.
    Com relação à meritocracia, eu sou totalmente contra. Eu me coloquei a favor apenas dos pais incentivarem seus filhos a buscarem excelência naquilo que fazem, mas concordo que essa é uma equação complicada de se resolver, uma vez que, lamentavelmente, o sistema de ensino brasileiro compreende a competição como algo inexorável nesse processo.
    Com relação à participação dos pais, o que defendo é que os mesmos tem a obrigação de incentivar os seus filhos aos estudos, mesmo que a escola acabe por assumir papéis para os quais ela inicialmente ela não foi concebida. Durante anos atuei numa escola de periferia e pude conviver com pais analfabetos, porém extremamente atuantes na escola. Entretanto, acredito que o mais grave está no fato de pais que possuem instrução e relativo conforto financeiro ignorarem a vida escolar de seus filhos. Eu abomino o tecnicismo e o conteudismo, mas acredito firmemente que a escola não pode ser a única a atuar na educação de um indivíduo. Concordo plenamente com você de que a escola não pode ficar de braços cruzados diante da atual conjuntura, porém apenas defendo que ela não pode assumir eternamente este papel.
    Quanto ao último ponto, o que defendi é que no Brasil existe uma grande tendência em se abordar os métodos no "8 ou 80". Infelizmente muitas escolas, por total falta de respaldo teórico, acabam por conduzir erroneamente determinadas situações, como o caso da indisciplina. Já trabalhei como alfabetizador em escola construtivista e sei que, quando levado a sério e com subsídios teóricos, o trabalho é muito compensador em termos educacionais.
    Mais uma vez agradeço sua visita e considerações e espero que possamos trocar mais ideias futuramente.
    Abraços
    Claudio

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  4. Oi Claudio,

    Obrigado! Gostei da sua resposta. Esclareceu os pontos discutidos. Espero trocar mais ideias com você.

    Abraços,

    Adriano

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  5. Gostei do posicionamento dos dois. Espero que continuem evoluindo sempre!

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