terça-feira, 22 de março de 2016

MEU HERÓI, MEU BANDIDO.


Há três dias ele se foi.

Aquele que me trouxe ao mundo.

Aquele de cujas raízes pantaneiras e paraguaias sempre se orgulhou.

E muita polca dançou.

Aquele que, ainda menino, os seus irmãos ajudou a criar.

Aquele que sonhava em ser médico, mas não o foi.

Aquele que, há 50 anos, o Flor de Abacate fundou e, desde então, o carnaval exaltou.

Aquele que pela Rainha dos Estudantes se apaixonou, com ela se casou e dois filhos gerou.

Aquele que, pelas circunstâncias da vida, por muito tempo ao álcool se entregou e, felizmente, se livrou.

Aquele que, no percurso da vida, o casamento acabou, um novo amor encontrou e mais dois filhos gerou.

E ainda sobrou amor e, com ele, um quinto filho adotou.

Aquele que, por um momento, do meu amor duvidou, mas certamente sempre me amou.

Aquele que a todos apelidou.

Que muitas histórias contou. Que de nomes e feições sempre lembrou. Que de sua persistência sempre se gabou.

“Aqui é aroeira, pica-pau!”

Que fazia manha quando era contestado.

“Tudo bem. O errado sou eu.”

Que chorava assistindo televisão e, limpando os óculos, sempre disfarçava.

Aquele que, na infância, me fazia lavar os tênis e a bicicleta todo santo sábado.

Que me mandava à mercearia comprar o maldito cigarro.

Que nunca precisou encostar num fio de cabelo meu para me educar. Bastava o seu olhar.

“Tô ficando velhaco com você, heim guri!”

Que para me chamar bastava assobiar.

Que no seu trabalho ensinou-me a datilografar.

Aquele que pedia o meu caderno para inspecionar.

“Tirou 8,0? Por que não 10,0?”

“Primeiro a obrigação. Depois a devoção.”

Aquele que odiava o desperdício.

“É pão com manteiga ou manteiga com pão?”

Aquele que, em determinado momento da vida, encontrou uma nova razão para lutar.

E passou pelo direito à moradia lutar.

E novos amigos conquistar.

E à sua vida arriscar.

Aquele que num idealista altruísta se transformou.

Aquele que demorou demais para, do cigarro, largar.

Aquele que viu seus pulmões tirar-lhes a liberdade.

Mas que pela vida nunca desistiu de lutar.

E com os filhos, irmãos e sobrinhos se preocupar.

Aquele cujo último conselho que me foi dado foi: “Faça o seu trabalho com amor, honestidade, e todos aqueles que não lhe querem bem jamais irão lhe derrubar.”

Aquele que, no decorrer da vida, não teve vergonha de seus conceitos mudar e as diferenças aceitar.

Que os seus filhos sempre amou e por perto desejou.

Que por todos eles sempre pacientemente esperou.

E, felizmente, com alguns deles, assim como irmãos e sobrinhos, sempre contou.

Aquele cujo coração pantaneiro foi o último órgão a parar.

Meu “índio velho”. Meu herói. Meu bandido.

Aprendi com você nas vezes em que acertou e, muito mais, quando errou. 

E por isso é impossível não lhe atribuir grande parte do homem que hoje eu sou.

Pai, você foi o mais perfeito e imperfeito dos pais. E lhe sou grato por isso.

O seu bacuri sempre irá lhe amar.

Sempre.

Até logo.