segunda-feira, 10 de outubro de 2016

É muito fácil falar de dentro!

Fala que se importa com os que vivem na extrema pobreza, mas nunca se engajou em uma ação social.

Compartilha inúmeros posts exaltando sua religiosidade, mas nunca participou de uma pastoral que efetivamente buscasse melhorar a vida dos que mais necessitam.

Chama pobre de vagabundo mas não registra a empregada.

Chama uma mísera ajuda de "regalia", mas nunca passou fome de verdade.

Viveu de bolsa até o final do doutorado, estudando de barriga cheia, e não move uma palha para transformar o mundo, criticando, agora, os "encostados" que vivem de bolsa.

Exalta a Educação, mas trata investimento como "gasto".

Critica os "gastos" com a expansão da Rede Federal, mas já está confortavelmente concursado.

Joga pedra nas ações que transformaram sua própria vida e defende medidas que prejudicarão as carreiras daqueles que pretendem, um dia, ingressar na vida docente.

É muito fácil "falar de dentro". É fácil criticar quando já se possuem garantias.

Tire-o "de dentro", arranque-lhes as garantias, ameace o seu conforto e veja o poder da "transformação do discurso."

A subjetividade é a visão egocêntrica e conveniente de mundo.

terça-feira, 22 de março de 2016

MEU HERÓI, MEU BANDIDO.


Há três dias ele se foi.

Aquele que me trouxe ao mundo.

Aquele de cujas raízes pantaneiras e paraguaias sempre se orgulhou.

E muita polca dançou.

Aquele que, ainda menino, os seus irmãos ajudou a criar.

Aquele que sonhava em ser médico, mas não o foi.

Aquele que, há 50 anos, o Flor de Abacate fundou e, desde então, o carnaval exaltou.

Aquele que pela Rainha dos Estudantes se apaixonou, com ela se casou e dois filhos gerou.

Aquele que, pelas circunstâncias da vida, por muito tempo ao álcool se entregou e, felizmente, se livrou.

Aquele que, no percurso da vida, o casamento acabou, um novo amor encontrou e mais dois filhos gerou.

E ainda sobrou amor e, com ele, um quinto filho adotou.

Aquele que, por um momento, do meu amor duvidou, mas certamente sempre me amou.

Aquele que a todos apelidou.

Que muitas histórias contou. Que de nomes e feições sempre lembrou. Que de sua persistência sempre se gabou.

“Aqui é aroeira, pica-pau!”

Que fazia manha quando era contestado.

“Tudo bem. O errado sou eu.”

Que chorava assistindo televisão e, limpando os óculos, sempre disfarçava.

Aquele que, na infância, me fazia lavar os tênis e a bicicleta todo santo sábado.

Que me mandava à mercearia comprar o maldito cigarro.

Que nunca precisou encostar num fio de cabelo meu para me educar. Bastava o seu olhar.

“Tô ficando velhaco com você, heim guri!”

Que para me chamar bastava assobiar.

Que no seu trabalho ensinou-me a datilografar.

Aquele que pedia o meu caderno para inspecionar.

“Tirou 8,0? Por que não 10,0?”

“Primeiro a obrigação. Depois a devoção.”

Aquele que odiava o desperdício.

“É pão com manteiga ou manteiga com pão?”

Aquele que, em determinado momento da vida, encontrou uma nova razão para lutar.

E passou pelo direito à moradia lutar.

E novos amigos conquistar.

E à sua vida arriscar.

Aquele que num idealista altruísta se transformou.

Aquele que demorou demais para, do cigarro, largar.

Aquele que viu seus pulmões tirar-lhes a liberdade.

Mas que pela vida nunca desistiu de lutar.

E com os filhos, irmãos e sobrinhos se preocupar.

Aquele cujo último conselho que me foi dado foi: “Faça o seu trabalho com amor, honestidade, e todos aqueles que não lhe querem bem jamais irão lhe derrubar.”

Aquele que, no decorrer da vida, não teve vergonha de seus conceitos mudar e as diferenças aceitar.

Que os seus filhos sempre amou e por perto desejou.

Que por todos eles sempre pacientemente esperou.

E, felizmente, com alguns deles, assim como irmãos e sobrinhos, sempre contou.

Aquele cujo coração pantaneiro foi o último órgão a parar.

Meu “índio velho”. Meu herói. Meu bandido.

Aprendi com você nas vezes em que acertou e, muito mais, quando errou. 

E por isso é impossível não lhe atribuir grande parte do homem que hoje eu sou.

Pai, você foi o mais perfeito e imperfeito dos pais. E lhe sou grato por isso.

O seu bacuri sempre irá lhe amar.

Sempre.

Até logo.