Há três dias ele se foi.
Aquele que me trouxe ao mundo.
Aquele de cujas raízes pantaneiras e paraguaias sempre se orgulhou.
E muita polca dançou.
Aquele que, ainda menino, os seus irmãos ajudou a criar.
Aquele que sonhava em ser médico, mas não o foi.
Aquele que, há 50 anos, o Flor de Abacate fundou e, desde então, o carnaval exaltou.
Aquele que pela Rainha dos Estudantes se apaixonou, com ela se casou e dois filhos gerou.
Aquele que, pelas circunstâncias da vida, por muito tempo ao álcool se entregou e, felizmente, se livrou.
Aquele que, no percurso da vida, o casamento acabou, um novo amor encontrou e mais dois filhos gerou.
E ainda sobrou amor e, com ele, um quinto filho adotou.
Aquele que, por um momento, do meu amor duvidou, mas certamente sempre me amou.
Aquele que a todos apelidou.
Que muitas histórias contou. Que de nomes e feições sempre lembrou. Que de sua persistência sempre se gabou.
“Aqui é aroeira, pica-pau!”
Que fazia manha quando era contestado.
“Tudo bem. O errado sou eu.”
Que chorava assistindo televisão e, limpando os óculos, sempre disfarçava.
Aquele que, na infância, me fazia lavar os tênis e a bicicleta todo santo sábado.
Que me mandava à mercearia comprar o maldito cigarro.
Que nunca precisou encostar num fio de cabelo meu para me educar. Bastava o seu olhar.
“Tô ficando velhaco com você, heim guri!”
Que para me chamar bastava assobiar.
Que no seu trabalho ensinou-me a datilografar.
Aquele que pedia o meu caderno para inspecionar.
“Tirou 8,0? Por que não 10,0?”
“Primeiro a obrigação. Depois a devoção.”
Aquele que odiava o desperdício.
“É pão com manteiga ou manteiga com pão?”
Aquele que, em determinado momento da vida, encontrou uma nova razão para lutar.
E passou pelo direito à moradia lutar.
E novos amigos conquistar.
E à sua vida arriscar.
Aquele que num idealista altruísta se transformou.
Aquele que demorou demais para, do cigarro, largar.
Aquele que viu seus pulmões tirar-lhes a liberdade.
Mas que pela vida nunca desistiu de lutar.
E com os filhos, irmãos e sobrinhos se preocupar.
Aquele cujo último conselho que me foi dado foi: “Faça o seu trabalho com amor, honestidade, e todos aqueles que não lhe querem bem jamais irão lhe derrubar.”
Aquele que, no decorrer da vida, não teve vergonha de seus conceitos mudar e as diferenças aceitar.
Que os seus filhos sempre amou e por perto desejou.
Que por todos eles sempre pacientemente esperou.
E, felizmente, com alguns deles, assim como irmãos e sobrinhos, sempre contou.
Aquele cujo coração pantaneiro foi o último órgão a parar.
Meu “índio velho”. Meu herói. Meu bandido.
Aprendi com você nas vezes em que acertou e, muito mais, quando errou.
E por isso é impossível não lhe atribuir grande parte do homem que hoje eu sou.
Pai, você foi o mais perfeito e imperfeito dos pais. E lhe sou grato por isso.
O seu bacuri sempre irá lhe amar.
Sempre.
Até logo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário